Trocar o certo pelo duvidoso é uma condição que costuma balançar as pessoas. Falta, às vezes, autocontrole para encarar a perda inicial como uma condição de ganho futuro. Cientistas da Suíça acreditam que esse desconforto pode estar ligado a uma postura mais egocêntrica e, a fim de analisar a suspeita, decidiram identificar a parte do cérebro que indicaria esse vínculo. Detalhes do estudo foram divulgados recentemente na revista Science Advances e, segundo os autores, as conclusões poderão ajudar também no desenvolvimento de tratamento de problemas que envolvam o autodomínio, como o vício em drogas e a obesidade.
Os investigadores sabiam que a capacidade de abdicar do ganho imediato em prol de recompensas futuras está ligada ao córtex pré-frontal — região do cérebro que controla os impulsos —, mas desconfiavam que uma área do órgão relacionada à capacidade de pensar no outro também poderia influenciar nesse processo. Confirmaram a suspeita em um experimento em que interromperam a ativação da junção posterior temporoparietal (pTPJ, pela sigla em inglês) e perceberam que os voluntários tomaram decisões mais egoístas e imediatas.
De acordo com os cientistas, a pTPJ está associada a funções ligadas à socialização, quando o indivíduo supera as próprias perspectivas sobre uma questão a fim de considerar, na tomada de decisão, os outros envolvidos. “Essa ligação é sugerida por alguns estudos feitos por meio de questionários. Devido a esses indícios, acreditamos que esse mecanismo do cérebro poderia estar envolvido na tomada de decisão para nossas necessidades futuras”, explicou ao Correio Alexander Soutschek, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade de Zurique, na Suíça.
No experimento conduzido por Soutschek e os colegas, 43 participantes responderam a questionários virtuais em que precisavam fazer duas escolhas. Primeiro, entre uma recompensa, uma quantia de dinheiro, por exemplo. O prêmio poderia ser recebido imediatamente em um valor menor ou ser mais valioso, mas retirado posteriormente. Depois, entre uma recompensa que beneficiasse somente o respondente do questionário ou mais pessoas. Além disso, os participantes foram submetidos a uma técnica de estimulação cerebral magnética, método que anulou temporariamente a ativação da pTPJ, sem prejuízos físicos e cognitivos.
Após a suspensão da atividade da área cerebral ligada à sociabilidade, os participantes tenderam a fazer escolhas mais impulsivas (optar pela recompensa imediata) e mais egoístas (escolher a recompensa apenas para si) — sinais de comprometimento do autocontrole. Também ficaram menos propensos a assumir a perspectiva de outras pessoas. “O egocentrismo interfere no autocontrole, no sentido de que os indivíduos egocêntricos se concentram totalmente nas próprias necessidades atuais de tal forma que consideram menores as necessidades dos outros, bem como as do seu ‘eu futuro’, num sentido metafórico”, explicou Soutschek.
Doenças
Para Mauro Suzuki, neurologista do Hospital Santa Luzia, em Brasília, o estudo explora um tema conhecido na área científica trazendo novos dados. “Há uma região bem estabelecida como responsável pelo autocontrole, o córtex pré-frontal. É essa habilidade que te impede, por exemplo, de fazer xixi em público quando sente vontade, evita que você faça coisas impulsivas. Mas, agora, nesse estudo suíço, eles perceberam que a junção posterior temporoparietal também teria uma ação nesse tipo de contenção. Dessa forma, podemos supor que o ego também pode influenciar o autocontrole”, detalhou.
Além de ajudar a compreender melhor o funcionamento do cérebro e o comportamento humano, o trabalho suíço poderá contribuir no desenvolvimento de terapias mais eficazes para o tratamento de problemas de saúde que estão ligados a dificuldades na capacidade de conter impulsos e atitudes. “Viciados sofrem de problemas de autocontrole. Os nossos resultados sugerem que a dependência pode ser tratada, por exemplo, com a ativação da pTPJ por meio de um treinamento que ajude a estimular a capacidade de dirigir a atenção para as nossas necessidades futuras”, explicou Soutschek.
O egocentrismo interfere no autocontrole, no sentido de que os indivíduos egocêntricos se concentram totalmente nas próprias necessidades atuais de tal forma que consideram menores as necessidades dos outros, bem como as do seu ‘eu futuro’, Alexander Soutschek, pesquisador da Universidade de Zurique e um dos autores do estudo
Suzuki também acredita que o estudo suíço possa ter implicações médicas. “O uso da estimulação magnética transcraniana é algo que tem sido explorado. Ela é usada em tratamentos para depressão grave desde 2007, e estudos subsequentes dessa linha de pesquisa incluem pacientes que são usuários de drogas. Essas informações podem ajudar a complementar essa estratégia com mais dados nessa linha”, completou o especialista, que não participou do estudo.
Segundo o neurologista, resultados do experimento também indicam que a técnica não compromete outras funções cerebrais. “Ao alterar a área da junção posterior temporoparietal a uma região que também está ligada à habilidade de cálculo, os cientistas apresentaram tarefas relacionadas a números e não viram danos nos voluntários. Isso é importante porque mostra que, caso interferências sejam feitas com o objetivo de modular essa área e fazer com que a pessoa fique menos egocêntrica, não haveria prejuízos a essa habilidade”, indicou.
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quarta-feira, 18 de janeiro de 2017
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